Caminhei fuçando à internete, conversei com professores de teologia e, de fato, estamos num momento de releituras. Tanto protestante, como católica. E quero ser bem direto aqui, como LUTERANO, ao dizer protestante, excluo toda a manifestação sectária, que envolva qualquer tipo de renovação carismática- pentecostal. Seja dentro do próprio luteranismo ou qualquer outra vertente histórica do cristianismo. Faço assim, pela razão prática da coisa; é bem funcional mesmo. Nas vertentes carismáticas, pentecostais ou neopentecostais, não há reflexão que aponte releituras, há práticas de ascese; tais não são críticas, ou nada refletem no campo teórico para uma releitura possível.
Mas, a igreja reformada clássica, sim, veio propondo uma "razão" cristã. Como os católicos, também, têm proposto uma releitura cristã da modernidade. E, o alvo é exatamente o humanismo-secular. Parece-me, e não estou sendo duvidoso, que tal releitura conclama o séc. V, da era cristã- mais precisamente, um autor, que agora se faz comum na epistemologia da coisa: Santo Agostinho.
A questão é simples, a abordagem é teocêntrica. O homem é IMAGEM de Deus. Isto quer dizer, que não são alguns atos que ele pratica que são semelhantes aos atos te Deus- pelo contrário- o homem vive- e portanto existe, se existe assim ele é, em outras palavras, ontologicamente, o homem, em toda sua constituição, só é imagem e semelhança de Deus. Tudo que ele faz, pensa, é; assim se procede imediatamente porque Deus faz, pensa e é.
Um problema imediato surge nesse pensamento; Deus é bom (não pratica o mal), o homem é imagem de Deus, ontologicamente estabelecido, como, pois, o homem é dado ao mal?
Na mesma concepção ontológica, o mal assumiria o, imediatamente, pólo contrário. O mal não é. Ou seja, o mal é a ausência do bem, ou a privação do mesmo. Desta feita, o mal não se encontra em substancialidade. O homem haveria rejeitado o bem, privando em si mesmo a pontencialidade de sua natureza. Outrora, com o livre- arbítrio o homem pôde "escolher" sua natureza. E fazendo mau uso dele (livre- arbítrio), inverteu seu estado- subordinou sua alma à matéria, esvaindo-se no não-ser.
O livre-arbítrio seria uma categoria prática; entre decidir coisas imediatas, como fazer ou deixar de fazer. Entretanto na esfera metafísica- O livre-arbítrio não tem capacidade de eleger para si o bem com suas próprias forças. Antes da queda o homem tinha a possibilidade de eleger o bem, depois da queda o homem não tem a possibilidade de fazê-lo. Retornando às origens divinas é impossibilitado de per si.
Destarte, os sentidos são importantes na antropologia filosófica agostiniana. Muito embora haja um demérito platônico dos mesmos sentidos ao conhecimento racional, admite, Agostinho, que os sentidos, como o intelecto, são fontes de conhecimento. E como para a visão sensível além do olho e da coisa, é necessária a luz física, do mesmo modo, para o conhecimento intelectual, seria necessária uma luz espiritual.
Em suma, para Agostinho, a fé e a razão complementam-se na busca da felicidade e da beatitude. A beatitude, para ele, não é alcançada por procedimento intelectual, mas por ato de intuição e fé. Mas a razão se relaciona com a fé no sentido de provar a sua correção. Ou seja, a fé é precedida por certo trabalho da razão e, após obtê-la, a razão a sedimenta.
A razão relaciona-se, portanto, duplamente com a fé. É necessário compreender para crer, e crer para compreender. Portanto, a razão precisa de ser iluminada , essa iluminação é revelada, vem de Deus. Aqui se faz a releitura de que falei, tanto seguimentos reformados, como católicos vem propondo uma filosofia cristã , iluminada pela revelação em demérito da razão. O humanismo secular diz de uma razão autônoma. Para a releitura no cristianismo, em Agostinho, isso é loucura. Pois não permite o autoconhecimento, que é principio da verdade estabelecida.
Em outras palavras: O homem tem vontade- sua vontade é ontologicamente contaminada pelo pecado- há a ausência do bem- o homem é mau. Entretanto, os sentidos humanos, sua forma de se relacionar com as coisas extrínseca, sua capacidade de sentir- e seus próprios sentidos o apontam para algo fora de si. Assim o homem deposita suas esperanças, relaciona, adora, ama. Ao ter seus sentidos apontados para o belo, o bem, percebe, pela fé, timidamente, que há algo superior, ocorrendo a iluminação divina da razão, percebe Deus e com este se relaciona. Agora não apenas por um sentido, mas pela razão iluminada pela revelação, sedimentada. O pleno conhecimento!
O desdobramento epistemológico disso é a tripartição do homem em "períodos" existenciais: Criação, queda, redenção. E a conclusão final é: O mundo subsiste através da graça comum. O homem em seu estado corrompido não sabe potencializar o bem, vive na idolatria, e não cumpre sua função cultural estabelecida por Deus. O cristão é o remido, vive sob a graça especial, não a comum. Antes, na criação, o homem podia pecar, na queda, não podia não pecar, na redenção, o homem pode não pecar. Assim o papel dos que vivem na redenção é submeter a cultura ao conhecimento verdadeiro. Este conhecimento advém do autoconhecimento, pela verdade revelada que iluminou a razão.
Assim a Igreja católica critica a modernidade, como linhas do Protestantismo reformado também, aproximando o discurso do papa com tais igrejas históricas. E, fechando o espaço para a diversidade, pois a postura é única: a cultura comum é contrária a Deus; sua manifestação e vontade, como não podem destruir a Deus, autodestroem-se pela ausência de Deus- do bem.